Queremos! Festival por Alex_Woloch / I Hate Flash

Números, festivais e os sentidos coletivos da pandemia

Por: Dani Ribas e Renata Gomes, especialmente para o Mapa dos Festivais.

A mídia em geral tem dado bastante destaque ao impacto da COVID19 no setor da
música. O DATA SIM realizou a primeira das pesquisas que embasam tais impactos: ouvimos
536 empresas entre 17 e 23 de março e os resultados apontaram adiamento ou cancelamento
de mais de 8 mil eventos em 21 estados do Brasil, com uma projeção de público de 8 milhões
de pessoas. As atividades dessas empresas envolvem 20 mil profissionais e prejuízo direto de
R$ 483 milhões. O report dessa pesquisa está disponível para download gratuito no site do
DATASIM.


Mas vamos fazer um recorte que fale um pouco mais de Festivais e que não consta no
report. Fizemos uma extração especial de nossa pesquisa para o Mapa dos Festivais: 355 das
536 empresas que responderam à pesquisa afirmaram realizar atividades como Organização de
Eventos (57% de todas as menções) e Palco (24% das menções). Essas duas atividades são
essenciais para a música ao vivo que acontece nos Festivais, e juntas são 66% das empresas
ouvidas na pesquisa. A música ao vivo – seja em Festivais ou casas noturnas – responde por boa
parte das atividades da cadeia produtiva e é uma grande engrenagem desse ecossistema, tanto
do ponto de vista da renovação do cenário musical (como todos os fãs de Festivais sabem),
como do ponto de vista das empresas envolvidas.

Duda Beat no Festival Coala por Fernando Schlaepfer / I Hate Flash

Mercado mineiro cresceu para os Festivais

A extração especial que fizemos para o Mapa dos Festivais também trouxe dados
interessantes sobre o território. O estado de Minas Gerais passou à frente do estado do Rio de
Janeiro na concentração de empresas de Palco e Organização de Eventos. Nos resultados
gerais, Minas era o terceiro colocado, atrás de São Paulo e Rio. Nessa nova extração, Minas
passa a ser o segundo estado com maior concentração de empresas ligadas às atividades de
Palco e Organização de Eventos, com crescimento de dois pontos percentuais.

A diferença não é grande, mas reforça dados da pesquisa “DATA SIM: O Mapa dos Festivais do Brasil, por Sympla”, de 2018. Nesse ano, São Paulo concentrava a maior parte ou 34,5% dos festivais mapeados, Minas o segundo lugar com 19,2%, e Rio, terceiro da lista, 9,8% dos festivais.

MECAInhotim por Luz Vermelha / Fosso Coletivo

Festivais, mídias sociais e a experiência no digital

É notório que o setor de Festivais está sofrendo com a pandemia – e provavelmente o público deles também está. Isso explica o êxito absoluto de Festivais on-line que surgiram no período, como o Festival Fico em Casa BR, Música em Casa (Universal Music), TamoJunto (O Globo)  e o Somos Mucho!, para citar apenas alguns dos muitos exemplos que surgiram. 

Antes da pandemia, as projeções de crescimento da música ao vivo no mundo mostravam que em 2023, as vendas de ingressos de música ao vivo excederiam US$ 25 bilhões no mundo todo, um aumento de 14% em relação a 2019. Contribuiu para isso a maneira a maneira dos fãs descobrirem os shows, principalmente por meio das mídias sociais, ferramentas centrais para o acompanhamento de artistas e informações sobre os próximos shows. Foi o que demonstrou uma pesquisa realizada em 2019 pelo Facebook para saber como as pessoas descobrem e planejam a ida a shows. Se antes da pandemia as pessoas já utilizavam a internet para descobrir mais sobre Festivais, em tempos de isolamento social e aumento das atividades on-line esse percentual pode ser ainda maior.

Segundo a mesma pesquisa do Facebook, que no Brasil ouviu 505 pessoas, enquanto os eventos de música ao vivo conectam as pessoas no mundo físico, grande parte da experiência em torno do show acontece digitalmente. A grande maioria (90%) dos espectadores no Brasil descobre esses eventos on-line e 85% diz gostar de saber novidades sobre os próximos shows por meio das mídias sociais. Além disso, mais da metade (63%) dos ouvintes de música no Brasil segue artistas no Facebook ou Instagram para saber sobre as próximas apresentações ao vivo, e mais de um terço (39%) o faz para se sentir parte da comunidade do músico. 

Fazer parte de uma comunidade talvez seja uma das principais experiências proporcionadas pelos Festivais. No site da SIM há alguns textos, por exemplo sobre o MARTE (MG) e CoMA (DF), que falam sobre isso. 

 Fonte: “Concerts Consumer Journey Study” da Kantar Profiles (pesquisa on-line encomendada pelo Facebook com 505 entrevistados com mais de 18 anos, Brasil, julho a novembro de 2019). Disponível em: https://www.facebook.com/business/news/insights/amp-up-your-connections-with-concertgoers

Festivais digitais: como as marcas podem entrar no grupo?

Como assistir a um show é quase sempre uma experiência social compartilhada, a jornada do consumidor em relação aos festivais musicais tende a ser uma experiência planejada e com alto engajamento. A pesquisa do Facebook que citamos acima ainda aponta que boa parcela do público começa a pesquisar sobre o show com bastante antecedência. No Brasil, 4 entre 10 afirmam que esse processo começa com mais de um mês de antecedência em relação à compra do ingresso.

Essa é a força de um festival musical: os momentos são mais especiais quando compartilhados, pois podem ser rememorados por várias mentes e almas ao mesmo tempo. Festivais são os eventos onde a música ocorre de maneira coletiva e compartilhada, fazendo com que novos significados passem a fazer parte da cultura que compartilhamos com nossos contemporâneos. Essa é a força de um festival ao vivo, seja na modalidade presencial ou on-line. Ainda que a experiência não seja exatamente a mesma, as lives podem ser interpretadas como uma emulação deste fenômeno social, ou seja, podem ser considerados os novos espaços públicos musicais dessa época de isolamento social.

Esse é um terreno amplo a ser explorado pelas marcas. Se na jornada de compra tradicional mais de um quinto (23%) dos frequentadores de shows dizem que recorrem ao conteúdo de marcas que seguem nas mídias sociais para decidir a ida aos próximos shows, no digital essa interação pode ser ampliada à máxima potência.

 O envolvimento contínuo e genuíno das marcas no apoio, patrocínio e criação de conteúdos relacionados aos Festivais pode gerar muitas oportunidades para todas as partes envolvidas. Festivais, artistas, sites, blogs, produtores de conteúdo, o próprio público e, principalmente as marcas, só têm a ganhar com a soma geral de esforços. E isso não pode ser encerrado em época de pandemia, já que o digital assume ainda maior importância nesse contexto. Emoções e experiência são pilares da construção e fortalecimento das relações entre todas estas partes também em ambiente digital.

Festival #ElasNaCatraca, com lineup 100% nacional e feminino.

É importante ressaltar que não cabe somente aos artistas reinventarem a maneira de conexão com a comunidade de fãs, as marcas também precisam descobrir novas formas de dialogar com o público que agora está se conectando de maneira inteiramente digital. Não será suficiente apenas “divulgar” lives e participações em festivais on-line. Aqueles que querem se destacar na imensidão do mar digital terão que repensar todo seu marketing e todo o fluxo de comunicação com esse novo consumidor.

Não basta apenas criar interações digitais ou simples aparições exclusivas no aconchego do lar. É preciso criar experiências que conectem. A descoberta dessas aparições e as próprias lives devem fazer parte de uma mesma experiência social, compartilhada com a comunidade, e em estreita conexão com os signos e símbolos da época e do projeto artístico do músico ou da proposta de valor da marca. 

É no contato próximo com o público que as expressões individuais ganham dimensão coletiva, pois é quando tocam em pontos e questões do momento presente. É aí que deixam de ser apenas inspiração individual para ressignificar concepções e serem pertinentes ao seu tempo histórico. É isso o que faz a relevância em tempos de disputa por atenção. E há inúmeras maneiras de estar próximo, sem necessariamente estar perto fisicamente, de criar uma conexão genuína e em total sintonia com o momento presente.

Por exemplo, há muitas maneiras de lidar com a dor, com a saudade e a falta das coisas que nos fazem elaborar os sentidos comuns da nossa existência. Cada artista reelabora isso de acordo com seu repertório interior e visão de mundo. A música talvez seja uma das ferramentas mais potentes deste momento. Ela tem a função de mobilizar nossa percepção para a existência de novos conceitos e modos de viver. 

Festivais – e agora as lives – são os espaços em que essa potência se materializa, onde a música alimenta a cultura com novas perspectivas partir das expressões artísticas individuais, que poderão transformar o mundo em que vivemos.  Sem eles, e sem espaços de formulação de sentido como os festivais e lives, estaremos fadados a reproduzir eternamente um presente sem perspectiva. 

Defender a existência da música e dos espaços físicos e virtuais que a abrigam é defender nossa própria existência em sua plenitude, em toda sua potencialidade. É mais que criar uma inspiração individual, é ressignificar concepções e tornar-se pertinente ao seu tempo histórico. Talvez essa seja a questão chave para criar relevância dos artistas e marcas em tempos de disputa por atenção.

Assim como psicólogos são necessários na auto análise pessoal, há muitos profissionais na cadeia produtiva da música que podem contribuir com essa auto análise de projeto artístico e planejamento das marcas, pois nem sempre esse processo é fácil. 

Este é o momento ideal para procurar essa ajuda. Existem especialistas no mercado que podem lhes auxiliar neste caminho. É preciso também reconhecer a expertise destes profissionais. Além da pesquisas e análises do DATA SIM, que ajudam o mercado no mapeamento do cenário macro, temos feito análises e consultorias particulares que têm ajudado marcas, artistas e profissionais da gestão de carreiras em busca de diferenciação neste momento. A responsabilidade das lives durante esta crise é justamente a de elaborar o sentido comum desta época de inflexão, algo que exige não só criatividade, como também análises qualitativas e quantitativas.

No mais, fiquem em casa e apoiem os artistas e festivais que vocês mais curtem. O público é uma parte importante do espetáculo, seja presencialmente ou on-line. Conforme dissemos no relatório da pesquisa DATA SIM sobre o impacto da COVID19, o engajamento do público como alternativa financeira para artistas e outros profissionais será absolutamente necessário neste momento. Se puder, não peça devolução de ingressos, compre discos e merchan dos artistas/bandas, ouça muita música nacional de maneira que gere arrecadação de direitos autorais. São iniciativas como essas que mostrarão a força da comunidade musical e farão com que possamos sair fortalecidos após essa crise.

Dani Ribas é Doutora em Sociologia da Música (UNICAMP). Diretora de Pesquisa do DATA SIM e da Sonar Cultural. Presta consultoria a artistas e dá cursos on-line sobre Empreendedorismo na Música, Gestão de Carreiras, Gestão de Projetos, Formação de Público, e Relevância Artística.

Renata Gomes é Publicitária, mestre em Comunicação, Cultura e Mídia e atua há mais de uma década como docente universitária e consultora, desenvolvendo estratégias para marcas, startups e artistas do segmento musical. É conselheira e curadora de eventos de inovação, música e cultura (São Paulo Tech Week, Startup Weekend Music & Arts, SIM São Paulo), colabora como pesquisadora e analista de dados no DATASIM, colunista do site Mundo da Música e faz parte do board da ong Women in Music Brasil, que se dedica a apoiar e empoderar mulheres da indústria da música e entretenimento.


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